A partir de meados do século XVIII, a produção de vinho, na Ilha da Madeira, entrou na curva ascendente que só parou na década de vinte do século XIX.
A evolução da cultura da vinha na Ilha da Madeira adequa-se se às exigências do mercado e à influência da comunidade britânica na ilha que foi quem definiu um destino privilegiado para ele.
De facto, o escoamento dos vinhos produzidos na ilha adequa-se à evolução da conjuntura política e económica europeia e colonial. As guerras europeias que fecharam ao mundo colonial os mercados europeus foram aproveitadas, pelos produtores e comerciantes estabelecidos ilha, para a venda dos seus vinhos. A grande procura dos vinhos, pelo mercado colonial, provocou a quebra do stock de vinhos de exportação. Face a procura desenfreada dos vinhos e dada a falta de vinhos verificou-se também um rápido escoamento de vinhos de inferior qualidade que anteriormente eram destinados ao consumo local ou destilados para a obtenção de aguardente.
Para corresponder a esta procura apostou-se de novo na cultura da vinha descuidando-se o sistema de tratamento e envelhecimento dos vinhos. Quando os mercados europeus voltaram a normalidade a economia da Ilha da Madeira entrou em recessão.
A concorrência de outros vinhos, como o do Porto e o de Xerez e o descrédito que os vinhos foram adquirindo nos mercados tradicionais quer devido aos vinhos exportados de baixa qualidade, quer as fraudes que muitas vezes eram praticadas nos países importadores contribuíram para a diminuição da procura dos vinhos da Madeira e consequentemente a uma baixa dos preços.
A crise que se adivinhava na viticultura madeirense foi antecipada, na segunda metade do século XIX, pelo aparecimento do oídio (
Oidium tuckerii), mais conhecido na Madeira por “
mangra”. Mais tarde o aparecimento da Filoxera iria provocar mudanças no panorama vitivinícola da ilha.
Apesar das catástrofes naturais e das pragas de oídio e filoxera, o vinho sobreviveu e em nossos dias juntamente com o turismo e a cultura da banana é um dos esteios da economia do arquipélago.
OÍDIO
Esta doença, oriunda da América do Norte, identificada pela primeira vez em França, em 1847, foi supostamente introduzida na região em 1851, a partir da compra de uma colecção de plantas. Entre estas encontravam-se algumas variedades colhidas em França e que estariam supostamente infectadas pelo fungo.
Esta doença que rapidamente se alastrou por toda a ilha, atingindo de modo especial o Funchal e Machico, encorajado pelo clima subtropical quente e húmido provocando grande destruição nos vinhedos da ilha com consequente perda de produção e qualidade dos vinhos. Os seus efeitos cedo se fizeram sentir na economia da ilha uma vez que a cultura da vinha era a principal fonte remuneradora.
Em apenas três anos (1852-1854) a média de produção passou de 50.000 hl para apenas 600 hl.
O tratamento com enxofre acabou por se revelar como a medida de prevenção e tratamento mais satisfatório no combate a doença. Algumas vinhas foram recuperadas, não evitando, no entanto, que os agricultores virassem de novo à sua atenção para a cultura da cana sacarina.
FILOXERA
O grande salto da filoxera até a Europa, ao que parece, é uma consequência da chamada “
crise do oídio” pois impulsionou a procura de plantas que apresentassem resistência a este fungo.
Este insecto causou provavelmente mais impacto na produção de vinho do que qualquer outra praga e doença da vinha. Até o seu aparecimento o cultivo era feito através do plantio de estacas das próprias variedades produtoras de frutos (pé franco).
A busca desesperada de soluções para debelar a crise levou os agricultores a socorrerem-se de bacelos de
Vitis Labrusca (Isabella), resistentes ao oídio, que começaram a chegar à ilha em 1865. Só que eram portadores de uma outra praga que iria provocar estragos ainda mais graves, do que a anterior provocada pelo oídio, até que o apropriado modo de combate fosse descoberto.
Os primeiros sintomas da doença surgiram em S. Gonçalo e São Roque no ano de 1872, mas cedo se alastrou a toda a ilha e manteve-se activa até 1908. Estima-se que em 1883 cerca de 80% dos vinhedos estavam infestados com esta praga.
Nas variedades susceptíveis, como são as da espécie
Vitis vinifera (popularmente conhecidas como viníferas ou europeias), o pulgão alimentam-se da seiva da planta. A picada provoca a formação de nodosidades e tuberosidades nas raízes, que evoluem para rachaduras, com consequente apodrecimento interno. As raízes apodrecidas afectam posteriormente o crescimento da videira por atrofia da parte aérea, facilmente notado pela perda da coloração verde das folhas, e a videira acaba por morrer.
Em 1883, apenas 500ha dos 2.500ha existentes quando a vinha foi atacada pela filoxera estavam plantados.
As variedades europeias existentes na ilha e que deram fama ao Vinho da Madeira desapareceram quase por completo do panorama vitícola madeirense. A Malvasia só se salvou na
Fajã dos Padres.
Tal como na França, foram feitos todos os esforços para controlar e impedir a progressão da praga. A prática de alagamento dos terrenos no Inverno, durante várias semanas, testadas com sucesso na França não seria viável dada a orografia do terreno.
Apesar de ter sido utilizado com alguns resultados, a luta química revelou-se ineficaz em muitos locais.
Contudo seria a prática da enxertia das variedades europeias nas raízes de uma videira americana, convenientemente resistente à filoxera, que se tornaria o método mais utilizado em todo o mundo.
Procedeu-se então na ilha à substituição das videiras plantadas em pé franco por porta-enxertos americanos com a finalidade de se proceder posteriormente a enxertia.
A base da resistência das videiras americanas é o desenvolvimento de camadas de cortiça sob as feridas provocadas pela picada do pulgão enquanto se alimenta das raízes. A formação desta camada protectora evita assim a posterior invasão de outros micróbios (bactérias e fungos) que eventualmente apodrecem as raízes e matam as videiras não resistentes. Uma vez que esta praga é oriunda da América do Norte não é de estranhar que as videiras nativas americanas tenham criado uma maneira de se protegerem contra esta praga.
Nestas variedades resistentes ocorre apenas a formação de galhas nas folhas, como uma forma de reacção à picada do pulgão, já que os ataques às raízes não causam danos de importância.
Só em 1882 a ilha teve uma comissão antifiloxérica distrital que se encarregou dos tratamentos e replantação de bacelos americanos distribuídos gratuitamente aos agricultores. Com esta finalidade foram estabelecidos dois viveiros de estacas e barbados sendo, em 1883, distribuídos 60.000 bacelos. Todavia não foi fácil a recuperação da cultura. O desânimo do madeirense, o abandono de casas inglesas, a conturbada situação das coloniais inglesas, principal destino do Vinho da Madeira fizeram retardar o necessário restabelecimento da cultura.
Com a experiência verificou-se que muitas das variedades americanas introduzidas não se adaptaram aos terrenos da região ou eram incompatíveis com as castas tradicionais da Madeira, tendo permanecido, para o efeito, apenas, a
Vitis riparia, o Herbemont, o Cunningham e o Jacquez (black Spanish).